Latidos.




De todo modo, segue impressa nos meus lábios, que não os da boca, a marca dos teus dentes. Levaram-te daqui. Tenho no pêlo cada suor do teu desejo. Vives na fazenda, és arteiro demais. Tu, cão no cio, só sente o cheiro forte que a natureza me deu, que é assim só meu. Sou arisca, sou fêmea. Estou só.
Minha vida poderia ser um tédio sem meus guardiões em casa, é férias e fiquei mais uma vez só. Estou ficando obesa e preguiçosa, sinto falta de correr. Tenho que ser agressiva e não me deixar enganar por salsichas e petiscos, que estranhos me oferecem no portão.
Sinto que minha vida é confortável, mas tenho inveja das que saem empinando o rabinho pela rua e acabam trepando com vários, que esperam pelo seu orifício em fila indiana.
Teve época que confundi as coisas, tinha um desejo enorme pelo meu amo, mas ele só me trata como filha, vez ou outra a humana que julgo ser a parceira dele, me olhou com ciúme. Gosto de vê-los copulando, mas aquela vaca sempre me chuta e bate a porta do quarto. Sou solitária. Arranjo-me com um ursinho velho de pelúcia da Vó Nena.
Sou solitária como qualquer ser que late sem um par. É cio aqui dentro e lá fora sacanagem, estou certa de estar no lugar errado. (respiração funda)
De nada adianta aqueles banhos caros e aqueles lacinhos na cabeça. Queria mesmo viver na propaganda de comida pra cães, com muito sexo selvagem e ossinhos de verdade.

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